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domingo, 30 de janeiro de 2011

O TROCO DA GORJETA


Por: Alexandre Mendes

  - Ô, Francisco! Me serve um chopp, aqui! – Gritou o cliente da mesa dez.
  Assinval correu até a serpentina, com a taça na mão. Já conhecia aquele cliente e sabia que o cara era “carne de pescoço”.
  - Ô mestre! Tá aqui, bem geladinho! - Disse o pobre garçom, servindo a bebida. O sorriso era forçado.
  - Porra, Severino! Já te falei que eu gosto de colarinho! – O pessoal da mesa ao lado, ria da brincadeira.
  - Desculpe, patrão! Vou tirar outro chopp pro senhor.
   
Fazia dez meses, que Assinval havia chegado ao Rio de Janeiro. A lembrança de Mossoró vinha a tona, quando via a foto de Teteca, sua jovem e bela esposa. Ele a deixara a sua espera, com a promessa de voltar um dia, com dinheiro suficiente para montar seu próprio negócio. As cartas de Teteca eram freqüentes para Assinval. Como o rapaz já havia morado em três pensões diferentes, desde que chegara ao Rio, as cartas eram enderaçadas para o restaurante, onde ele trabalhava.

  Seu sorriso brilhava, quando o gerente dizia: “Xinval! Carta para você, aqui, rapaz!”
  Assinval corria para ler as juras de amor da sua princesa do agreste, no banheiro.

- Ô, Ceariba! Cadê o bife que eu te pedi? – Era o cliente da mesa dez, atormentando a vida de Assinval, novamente.
 - Um momento, por favor. Vou lá na cozinha, dá um pito neles! – Disse Assinval, paciente como sempre. O cliente da mesa dez era o centro das atenções, quando começava de chacota com a cara do garçom.
 - Poxa, pessoal! Aquele cara; o da mesa dez, não é fácil, não! Cadê o bife dele?
 - Desculpe a demora, Assinval. Mas tem cliente na frente.
De repente, entra o gerente na cozinha:
 - Xinvaldo! Tô te procurando, um tempão! Carta pra você, meu filho!

Assinval se esqueceu do chato da mesa dez e correu pro banheiro. Mais uma cartinha dela, sua amada, Teteca.

   “Assinval, meu esposo amado.

    Não sei como te dizer. Tenho muita saudade de você. Dez meses que não te vejo. Pra matar saudade, só em foto. Pois é. Pra dormir, só agarrada a uma foto sua. Acontece que, uma noite dessas, coloquei a sua foto no meio das minhas pernas, desejando você aqui. Não sei explicar. Sonhei com você, aquela noite. No sonho, fazíamos nheco-nheco. Agora, meu amor, acho que você não vai acreditar. Senta, que lá vem a bomba.
Você me engravidou, através do sonho ou da foto no meio das minhas pernas. Sei lá. A única coisa que posso te afirmar é que estou grávida de seis meses. Parabéns, papai.

                                                                                                    Te amo muito.
                                                                                                            Teteca.”

   Assinval ficou atônito com a notícia. “Grávida em sonho? Essa rapariga pensa que sou algum otário?” Começou a socar a parede de raiva. “Vadia! Eu mato ela!” – Sofria sem dar uma palavra.

BATIDAS NA PORTA DO BANHEIRO: - Xivaldo! Abre aí! O bife com fritas da mesa dez!
O rapaz abriu a porta. Prendia o choro e o desânimo de viver. Foi até a cozinha e pegou o bife com fritas, na bandeja. Olhou pela escotilha da porta: o cliente pentelho retrucava com o casal da mesa nove, provavelmente, falava mal do rapaz.

   Assinval, discretamente, entrou com a travessa de comida no banheiro dos funcionários e trancou a porta. Descansou a bandeja, em cima do tampo da privada. Sacou o pênis para fora e começou a imaginar Teteca nua, entregue aos seus beijos e carícias, na sua cama de madeira, recém comprada, lá, em Mossoró.
“Toma...ai...ai...Agora faço um filho em você!” Assinval despejara todos os seus herdeiros sobre o bife do bundão da mesa dez. “UUUUUUIIIII!!!!!”

Já, lá fora: - Porra, Genivaldo!!! Caralho!! Que demora!
- Desculpa, chefe! Tá aqui, o bife com fritas do senhor. – Assinval fazia cara de babaca; aquela que já estava acostumado a fazer.
- Ué. Eu não pedi molho branco! Ah! Vou comer assim mesmo!
 O cliente degustou o bife, sem respirar: estava morrendo de fome.
Como era de costume, Assinval recebeu, junto a comanda, a gorjetinha simbólica de cinqüenta centavos. – Vai juntando! Um dia paga a passagem de volta, no pau de arara.
Assinval sorriu e pensou: “AAAAAAAAAAA!!!! MUITO OBRIGADO, TETECA!!!


sábado, 29 de janeiro de 2011

Winter Bastos

Por: Alexandre Mendes


   O texto que os leitores terão acesso, a seguir, é de autoria do meu grande amigo Winter Bastos. Eu o conheci no início da década de 90, quando ainda éramos adolescentes. Frequentávamos o mesmo "point", nos fins de semana. Seu visual punk (naquela época, moicano agredia a sociedade) e papo, extremamente politizado, me agradou bastante. Enfim, o cara se juntou aos meus amigos de copo e, exalando anarquia por todos os poros, propôs o nosso primeiro trabalho: O fanzine "Terceiro Mundo". Acho que foi em 1993, se não me engano. Ainda me lembro das diversas vezes, em que nos metemos em encrenca com os Carecas; das noites vibrantes, no Garage (Praça da Bandeira), no antigo Circo Voador, Barroquinho e outros picos divertidos...
    Mais tarde, eu, Winter e outro grande amigo, Fabio Barbosa, produzimos o fanzine mensal "O Berro", que acabou se tornando o livro "O Berro- 365 dias de fúria".
   Atualmente, Winter Bastos é membro da FARJ (Federação Anarquista do Rio de Janeiro) e um grande escritor. Possui diversos trabalhos publicados. 

O texto abaixo é
 do Winter Bastos, publicado no blog Expressão Liberta:www.expressaoliberta.blogspot.com)

Palavras e seus significados


Por: Winter Bastos


A palavra anarquia é um substantivo feminino derivado do gregoanarkhia (an - não, arkhé - governo). O radical grego arkhé também dá origem a outras palavras na Língua Portuguesa, como hierarquia e monarquia.
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Anarquia (assim como acracia) significa ausencia de governo e representa o estado de um meio social em que inexiste autoridade.
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Anarquismo é um sistema de pensamento segundo o qual é possível e aconselhável que a sociedade se organize sem autoridade. Anarquistas somos todos os que partilhamos desse ideal. Nós, anarquistas, portanto, não somos contra a ordenação; pelo contrário, acreditamos que a verdadeira ordem (harmonia) só pode existir numa sociedade em que não haja governantes e governados, proprietários e despossuídos, patrões e empregados, senhores e escravos.
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O termo libertário foi criado em 1858 por Joseph Dejacque e retomado pelo anarquista francês Sebastien Faure (1858-1942) no fim do século 19. Hoje, libertárioácrata ou acrata são sinônimos de anarquista. Acrata é uma variação do vocábulo original ácrata, por analogia com palavras como: democrata, fisiocrata, aristocrata etc.
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O vocábulo ordem, em Português, pode significar organização, ordenamento. Somos a favor da organização, pois sem ela não é possível uma vida social justa. Porém ordem, na Língua Portuguesa, pode significar também mandamento, imposição, como na frase: "O sargento deu uma ordem ao soldado". Somos contra as ordens impostas de uma pessoa a outra, pois todos devem ser iguais em direitos e deveres, sem comandantes e comandados. A sociedade só estará organizada de forma harmônica quando não mais houver autoridade e poder de mando, quando estabelecermos a autogestão generalizada.
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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

SABE TOCAR PIANO?

Por: Alexandre Mendes

Perguntei para um amigo meu, segurança de um mercado. Ele disse que nunca tocou em um piano, nem um dedinho, durante todo o seu tempo de vida.
Talvez, esse meu camarada fosse um talentoso pianista, se não tivesse nascido na parte pobre da Paraíba e, como muitos, viesse procurar emprego por aqui. Os merdões de gravata precisam entender uma coisa, de uma vez por todas:
EXISTE UMA PORRADA DE TRABALHADORES QUE EXECUTAM AS SUAS ORDENS, MAS QUE, SE TIVESSEM TEMPO E DINHEIRO PARA DESENVOLVER SUAS VERDADEIRAS HABILIDADES, SERIAM BEM MAIS RICOS QUE VOCÊS! 

ONTEM NA CANTAREIRA

Por: Alexandre Mendes

Foi muito legal, a reunião desreunida que promovemos no pé do índio Araribóia, nas Barcas de Niterói. Tive a oportunidade de reencontrar meus velhos parceiros de trabalho, Winter Bastos e Fabio Barbosa. O artista mineiro, Wagner Teixeira, também compareceu e pude, finalmente, conhecê-lo pessoalmente. Bebemos, trocamos idéias, rimos e nos divertimos. Ganhei presente de natal atrasado (Valeu, Ronald!) Confabulamos sobre a possibilidade de produzirmos um novo trabalho em conjunto. Quadrinhos, poesias, contos, entrevistas etc.

Fiquem espertos, meus caros leitores. Algo novo deverá surgir no horizonte, a qualquer momento!

Obs: Só faltou o meu amigo,
 Diego El Khouri, estar presente no evento.

BLOG ZOONOSES NITERÓI

Por: Alexandre Mendes


Galera que tem cachorro, gato, papagaio e piranha. Fiquem antenados no blog desse meu camaradão. Pode ser muito útil para nós, animais, criadores de animais. 


Informação sobre zoonoses e doenças de transmissão vetorial. Este blog foi criado a fim de auxiliar pessoas com dúvidas relacionadas às mais diversas formas de Zoonoses Urbanas que existem. Esse blog é de autoria de Antônio Marcos de Oliveira Coelho, agente de controle de zoonoses, mat.: 436.428-7, Prefeitura de Niterói. Dúvidas e/ou sugestões, mandem e-mail para: zoonoses.nit@gmail.com. Obrigado!


terça-feira, 25 de janeiro de 2011

CARTÃO CIDADÃO

Por: Alexandre Mendes

O mesmo despertador tocando
O mesmo uniforme
O mesmo ônibus
O mesmo cobrador
O "bom dia" no mesmo tom
As mesmas caras
Clientes de sempre
com as mesmas falas de ontem

Pensamentos sombrios
e libertadores
pairam na mente do ser
o mais estranho
são sempre os mesmos
dia após dia

- Saia da casca, sujeitinho!
Faça o que tu queres
A liberdade é um segredo
guardado a sete chaves
pelos manipuladores
A casca que te envolve;
a coleira que te puseram,
um belo dia,
lhe trará a loucura

Fuja...fuja
o mais rápido que puder
antes que o dia
se torne noite
e não consigas mais
encontrar a saída...

Suba logo nessa cadeira
e pule, rumo a liberdade
não pense duas vezes
e descanse de todo o mau
que te cerca, nesse momento

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

EXPELINDO

 A GANÂNCIA










GERA 
                                                      A MISÉRIA                

AO PATRÃO, COM CARINHO

Por: Alexandre Mendes

Como vai, velho canalha!
Por muitos anos, dia após dia,
enchi teu bolso de alegria
na minha carteira, quase nada
suor pingando; garganta seca
trabalhei duro; sol escaldante
e você lá no restaurante,
tacinha de uísque sobre a mesa

Como vai, velho safado!
Por muitos dias, ano após ano,
me usou bastante e deu o cano
Lamentei desamparado
mão com bolha a calejar,
pé descalço e rachado
e você lá no Corcovado
com sua prole a passear

Como vai, seu velho fútil!
Depois de anos e alguns dias
me sugando as energias
transformou-me em um inútil

quando pensei em parar,
vi que não contribuía,
negada aposentadoria
continuou a me explorar

Como vai, velho imundo!
Vai como, velho picareta!
Espero um dia te encontrar sentado
no colo em brasas do capeta!

sábado, 22 de janeiro de 2011

FUNCIONÁRIOS DO MÊS

 Por: Alexandre Mendes



PARA TODOS AQUELES QUE JÁ SENTIRAM, NA PELE, O AMARGO SABOR DA EXPLORAÇÃO. JAMAIS PODEREMOS ESQUECÊ-LOS. QUEM EXECUTA A TAREFA É MUITO MAIS IMPORTANTE DO QUE QUEM A ORDENA.


FLOCTOT

Por: Alexandre Mendes

O vazio dos corpos
oculto atrás da porta
pura natureza eterna
da puta santidade morta

A fantasia do que chamam de real
transformada em reflexão
refletida como normal
nos traz a suposição

que o belo pode ser feio
e o infinito, ter fim
máscaras de cobre e ferro
rostos diabólicos, no jardim

Espectro poesia da madrugada
A lua distancia-se de mim
Alvorecendo a desgraçada
dor de cabeça no fim

"Berectot floctot 
masmarede cabulatom"
Nihildamus

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Cocôtidiano

Por: Alexandre Mendes

Posso engraxar teu sapato?
Limpar seu jardim?
Sangue bom, me arruma um cigarro?
Me descola um real?
Paga um salgadinho?

Moço, mata minha fome?
Posso tomar um golinho?
Um copinho?
Botar na sua conta?

Uma semana, sem comer!
Já é, parceiro!
Deus lhe pague
Muito obrigado

MELECAS NA PAREDE

Por: Alexandre Mendes

TIO CHICO
Gomes! Gomes!

CHAVES
Isso! Isso! Isso!

VELHO TARADO DO FILME ROBOCOP
E tudo isso por um dólar! 

J. CRISTO
Há César, o que é de César.

SOMÁLIA
Quem nunca inventou uma desculpa para faltar o emprego, que atire a primeira pedra. 

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Diego El Khouri

Apresentação

  Ele é poeta, zineiro e artista plástico. Suas poesias me fazem viajar em dois sentidos opostos: Algumas, me levam para o passado. Outras, para o futuro. Tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, na última vez em que esteve por aqui, no Rio de Janeiro. O breve contato que tive com o cara, me deixou uma certeza: Sua produção artística nasce do seio de suas convicções sobre o mundo. A lapidação do seu trabalho é feita através do grande intelecto, que me deixou transparecer.
BLOG:
molholivre.blogspot.com

A seguir, Diego El Khouri nos deixa uma palhinha do seu trabalho, com uma poesia que nos faz refletir sobre o anseio de modificar o pensamento arcaico, camuflado de contemporâneo, desafiando as instituições caducas de nossa sociedade.

CONFESSIONAL


 Por: Diego EL KHouri
 
Eu quero ser a Morte e a ferida.
O veneno e a vacina.
Em vez de curar cutucar a ferida
no lombo de Deus, em nome da anarquia.

Eu quero ser a angústia e o pecado.
Quem está de "cara" e quem está chapado.
Ser a dor em suas maiores gradações.
A flor imunda que alimenta nações.

Eu quero ser o filho e o espírito.
A puta e o puto cínico.
O síndico do inferno e também do paraíso.

Ser um escravo de um burocrata louco.
Entrelaçado na divindade, encaixado num porco.
... Mas na verdade sou isso tudo e mais um pouco ...

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A REVOLTA DAS PALAVRAS

Por: Alexandre Mendes

- Quem foi que colocou uma interrogação no final dessa frase?
-Foi o mesmo canalha que botou uma exclamação no final dessa aqui.
TUMULTO e HISTERIA
MARTELO BATENDO
-Silêncio! Senhores substantivos, adjetivos, senhoras preposições e palavrões. Quem nos enfraquece são as vírgulas que estão entre nós!
- Nós? Balela! O culpado disso tudo é o cara que escreveu esse texto!
                                                      -É! Então vamos bagunçar o nome dele!
TUMULTO e CORRERIA
- É isso mesmo!
MINUTOS DEPOIS:
Ladrenxae Semned: Opr
- Palavras sacanas! Eu mereço! HEHEHHEHE...

APRESENTAÇÃO

Segue abaixo, um conto do meu amigo,  Wagner Teixeira,. Nele, temos a possibilidade de refletir sobre o limite entre a loucura e nossas fantasias ocultas. Wagner Teixeira é zineiro inveterado e proprietário de blogs muito criativos. O fanzine "Anormalzine" é uma das criações do Wagner e tive o prazer de tê-lo em mãos.

BLOGS:
http://partesforadotodo.blogspot.com/ 
anormalzine.blogspot.com


segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

TAPA NA CARA 
ou 
SOMOS TODOS NORMAIS

   


Wagner T.


                                                                               Quando o mundo acabou
                                                                               Foi que nos perguntamos
                                                                             Levamos pra reciclagem
                                                                             Ou pro incinerador?      




            Tira uma arma e aponta pra ela:
            - Pare!
            Aterrorizada por um momento, fica estática, não sabe o que fazer. Afinal, não é sempre que em plena luz do dia de repente temos uma arma apontada pra nós.
            - Fique calma e você estará bem.
            Quando recupera a fala e os movimentos, volta-se para as inúmeras pessoas que transitam pela movimentada praça do centro da cidade:
            - So... socorro! Ajudem!
            Os passantes a olham com desaprovação e continuam seu caminho, com passadas mais rápidas.
            - Fique calma, eu já disse. Ninguém vai te ajudar.
            Desesperada, ainda busca ajuda:
            - Pelo amor de Deus, tem... tem uma pessoa armada aqui, não estão vendo? Ninguém vai fazer nada?
            Os passantes passam ainda mais rápido e quando ela se vira para sua direção, eles se afastam. Cria-se um espaço no mar humano onde está ilhada.
            - Está vendo? Ninguém se importa com você. Se eu matá-la agora, você não passará de uma nota na seção policial até o fim da civilização humana.
            Aquelas palavras surtem um terrível calafrio em seu corpo. Olha pro lado e ameaça correr.
            - Não fuja ou atirarei em suas duas pernas e a deixarei sangrar até morrer - repara nas pessoas que continuam passando - ou melhor, nós a deixaremos sangrar até morrer.
            Sabe que está falando sério. Está a sua mercê.
            - Vai atirar em mim aqui, no meio de toda essa gente? Você vai apodrecer na prisão.
            - Talvez sim, talvez não. Já lhe falei que ninguém liga se você vive ou morre, ou se eu estou na prisão ou em liberdade. Eles têm coisa mais importante pra se preocupar, como descobrir se aquele casal da televisão está mesmo namorando ou é boato. Eles dizem apenas "não mate ou irá pra cadeia". Se ensinassem o valor da vida humana, creio que não chegaríamos a esse ponto.
            Apesar da falta de sentido da situação, o que ouve é coerente, deixando-a desnorteada:
            - Está bem, olha... eu tenho dinheiro aqui. Pode levar.
            - Não quero o seu dinheiro. Não quero suas roupas caras, suas jóias radiantes e nem mesmo a chave do seu carro importado. - aproxima-se e murmura de forma sedutora - De você eu quero um beijo.
            Ela se afasta, constrangida, mas até aí talvez não seja um preço tão ruim a se pagar para voltar a seus importantes afazeres. No entanto:
            - Mas não em mim. Nele.
            Aponta um homem sentado em um banco a alguns metros dali. Um homem extremamente feio, mais feio do que qualquer um que a bela já tenha visto antes.
            - Vá até lá e beije-o. Não um beijo superficial. Beije-o com paixão. Quero ver seu batom desmanchar-se nos lábios dele e o cheiro de seu perfume cobrí-lo por inteiro.
            - Isso é loucura! Você é demente! Não vou fazer isso.
            - É claro que vai. Não tem escolha.
            Realmente não tem. Vê a horrível criatura levantar-se desajeitada e caminhar sem destino observando as vitrines. Aproxima-se timidamente. O feio percebe a bela vindo em sua direção e a olha com desconfiança. Ela o encara. Sente um grande mal-estar, mas precisa fazê-lo. Fecha os olhos e entreabre a boca. O feio não entende aquilo, e nem quer. Simplesmente a beija. A bela sente um hálito muito mais suave do que esperava. Aquela boca torta tem um gosto doce. O toque inseguro e forçado do início se transforma em gulosa volúpia. Abraçam-se com força. Há muito não beijavam com tanta vontade. Minutos depois, finalmente se separam. Por um momento, ainda se contemplam, encantados um com o outro, até que o feio despede-se cordialmente e segue seu caminho, assoviando.
            Por um momento, a bela fica ainda admirada pela surpreendentemente agradável experiência. Porém, o temor volta quando a arma está novamente apontada em sua direção.
            - Muito bem. Gostei de ver. Acho que vamos começar a nos entender.
            - Olha, por que não guarda a arma? Podemos conversar sem você me apontar isso.
            - Desculpe, mas ainda não confio em você. Pessoas são traiçoeiras. Agora preciso de um favor. Vê aquele homem?
            Mostra um homem barbado, sujo e esfarrapado perto dali. Ele fala sem parar e gesticula de forma exagerada. Quem passa perto evita encará-lo e finge que não há ninguém ali e que nenhum som chega a seus ouvidos.
- Quero que você vá até lá e converse com ele.
- Conversar? O quê?
- Qualquer coisa.
- Mas... mas ele está totalmente fora de si!
- Essa é sua opinião.
- Minha opinião? Olha lá! Ele tá falando sozinho.
- Se você não tivesse com quem falar, ficaria calada o resto da vida?
- Não ficaria dizendo coisas sem sentido.
- Física quântica faz sentido pra você?
- O quê?
- Pra mim física quântica é coisa de maluco. Mas se estudar o assunto, posso mudar de opinião.
- Eu...
Pára um momento, tentando refletir sobre tudo aquilo nesta incômoda situação.
- Não pense. Aja! Vá até lá!
- Por que você então não fala com ele?
- Já falei com ele. E muito. Agora é sua vez. Vá!
A imponência com que a última palavra foi dita a faz novamente obedecer a
contragosto. Pergunta-se até onde vai aquilo enquanto se dirige ao homem invisível que continua a falar agitado e buscar uma reação dos passantes:
            - Você também. E você. E você. Todo mundo.
            Meio sem jeito, a sã balbucia palavras quase inaudíveis:
            - Ei... hã... olá.
            - Hein? - O doido vira-se pra ela - Você acha que pode escapar? Não! Você e toda sua família!
            O doido fala e gesticula de forma agressiva. Em outro momento, a sã se afastaria rapidamente. No entanto, agora ela não sente mais medo e após o receio inicial fica mais à vontade pra falar com desenvoltura:
            - E a sua família? Onde está?
            Pela primeira vez em horas, o doido se cala por um instante, como se jamais esperasse que a sã permanecesse à sua frente e muito menos que lhe respondesse. Então olha para o céu:
- Estão lá. Todos lá.
            Inesperadamente, a sã compreende o doido, ou ao menos interpreta o que ele diz. O diálogo passa a fluir de forma natural.
            - Sim, entendo.
            - Levaram tudo. Eles me levaram tudo.
            - Eu sei. Por que não me fala delas, As estrelas?
            - As estrelas?
            - Sim, como eram?
            A agressividade do doido se dissipa totalmente, agora fala com ternura e emoção:
            - Era a estrela mais brilhante que tinha. Brilhava mais que o Sol e a Lua junto. Só que agora tá lá encima, muito alto. Mas eu ainda vejo o brilho dela. Das outras também. De todas.
            Os dois ficam ali a conversar e contemplar juntos a paisagem celeste, até que a sã é puxada e guiada por mãos fortes:
            - Muito bem. Você está me surpreendendo. Nossa jornada está quase acabando.
            - Quase acabando? Olha, eu tenho muita coisa pra fazer. O que você quer, afinal?
            - Vê aquela menina?
            É pouco mais que uma criança, de uns 11 ou 12 anos. Está suja e suas vestes estão rasgadas. Visivelmente é uma menina de rua ou de família muito humilde. De frente a uma movimentada avenida, espera o sinal fechar para esmolar.
            - Vá até lá.
            - E...?
            - Só isso.
            - Só isso?
            - Sim. Apenas vá.
            A tarefa é aparentemente tão simples que fica até um pouco decepcionada, embora também aliviada. Anda até o sinal. Lado a lado, a menina pobre observa atentamente o trânsito enquanto a moça abastada examina a pequena cuidadosamente, cada traço de sua fisionomia. Antes, teria nojo, mas agora, em um gesto que lhe sai de forma totalmente natural, passa a mão carinhosamente em sua cabeça, alisando seus cabelos encrespados. A menina pobre a encara e agradece com um sorriso. O sinal fecha e ela vai. A moça abastada a acompanha com os olhos. Foi o sorriso mais belo e sincero que já recebeu em sua vida.
            Uma voz conhecida sopra-lhe mais uma vez em seu ouvido:
            - Creio que está pronta pra sua última tarefa.
            Ela não diz nada. E percebe que a arma está abaixada.
            - Vire-se.
            Faz o que é pedido, agora não por medo, nem tampouco por subserviência, mas por curiosidade. Entre todo o movimento da agitada rua, chama sua atenção um aleijado, sentado recostado à parede de um prédio. Ele tem os braços somente até a altura dos cotovelos e as pernas na altura dos joelhos. Está no chão em meio a suas coisas, num acampamento improvisado, e a fita fixamente.
            - Está vendo como ele a olha? Percebe como ele a quer? Pode sentir a energia que pulsa dentro dele, esperando há muito tempo ser liberada? Captar sua angústia, por desejar o que sabe que não terá? Você sabe o que fazer. Faça.
            Ela, saudável e disputada, fita o rejeitado aleijado de forma sedutora. Com segurança, caminha até ele e num gesto de ímpeto selvagem se atira sobre seu corpo. Ferozmente arranca suas roupas enquanto o tateia. O aleijado não acredita no que acontece, mas responde com a mesma ânsia. Beija-a, lambe-a, faz tudo o que ainda tem capacidade. A saudável sente toda sua energia, toda a libido reprimida. Nota que um de seus membros ainda está inteiro e funcionando muito bem, coloca-o dentro de si. Vê as pessoas se acumulando num círculo ao redor estupefatas com o que presenciam. Todos os passantes param pra acompanhar o insólito casal, nem se lembrando mais de seus importantes compromissos. Uma grande multidão se forma. Todo tipo de comentário é feito. “Meu Deus, que horror.” “Ô gostosa, o próximo sou eu.” Fotos são tiradas. Sua excitação é total. Tal situação lhe proporciona um êxtase indescritível, inimaginável. Já teve vários amantes, mas jamais sentiu tanto prazer. Do aleijado, então, nem se fala. Vive um sonho.
            O fato, porém, não se consuma até o final. Vários policiais surgem, abrem espaço na multidão e a arrancam de cima do aleijado. Está presa.
            - O quê? Estou presa? - revolta-se - Agora vocês aparecem, né? Tem gente armada e perigosa andando por aí e vocês não dão a mínima, mas quando vêem gente se satisfazendo sem ferir ninguém não demoram a interferir.
            Dirige-se então à multidão que permanece assistindo a tudo como a um grande espetáculo:
            - E vocês, bando de abutres? Agora estão todos aqui se divertindo, mas fugiam quando eu precisava de ajuda. Sumam daqui! Voltem para suas vidas vazias! Continuem...
            A presa grita e se debate, mas é contida por dois dos policiais, que tentam acalmá-la. Os livres testemunham para os fardados restantes:
            - Não sei de onde ela veio, só vi que ela atacou o aleijado e estuprou o pobre coitado.
            - Como assim estuprou o pobre coitado? - Protesta o dito cujo, mas volta a ser ignorado.
            - Eu vi tudo. Estava por aqui quando a moça vinha vindo. Então ela parou e de repente começou a falar sozinha. Achei que devia tá falando em algum novo tipo de celular moderno que você nem vê, mas então foi até um homem e o beijou. Nossa, cara, que beijo! Quem dera ela tivesse me escolhido. Aí acho que ela cansou de falar sozinha e bateu o maior papo com um malucão que tava aí. Não, eu estava a distância, em nenhuma hora escutei o que ela tanto falava. Acho que ela conversou um pouco também com uma menina de rua e depois mandou ver no aleijado. Bicho, que mulher! Isso é que é mulher! Até que eu queria dividir a cela com ela, viu? O quê? Não, trabalho sim, aqui perto. Só parei um pouco pra...peraí, quantas horas? Nossa senhora, deixa eu ir nessa.
            A louca continua falando de tudo e de todos enquanto é algemada e levada para o carro da polícia sob um olhar de aprovação do público, menos do aleijado, que se tivesse mãos, bateria palmas pra ela. Irá para a delegacia sendo logo solta quando confirmarem sua posição social. E a partir daí sua vida mudará pra sempre. Se para melhor ou para pior, depende do ponto de vista.
            O tumulto termina e a rotina volta ao normal. As pessoas se dispersam satisfeitas, pois terão uma história e tanto para comentar com os conhecidos.
            Nisso, alguém guarda a arma em sua alma e declama ao poeta:      

                                                                  Ah o louco
Se ele nunca aparecer
Quem suportará viver
Nesse mundo tão tolo
           
           

           
           
           

sábado, 15 de janeiro de 2011

Grande Guerreiro!

Por: Alexandre Mendes
Me refiro ao meu grande amigo e parceiro de produções artísticas, Fabio da Silva Barbosa. Tive o prazer de conhecê-lo, ainda moleque, em 1989. Mais tarde, produzimos juntos diversos trabalhos, como o "Impresso das Comunidades" e "O Berro". Jornalista crítico e admirador de Charles Bucowski, Fabio nos enviou o poema que segue abaixo.
Seja bem vindo ao nosso espaço, meu camarada!

Juvenal


Por: Fabio da Silva Barbosa


Perdeu o ônibus. Olhou para o relógio e viu que estava no atraso. A marmita caiu, vomitando todo o feijão passado.
- Puta que o pariu! - Assim não podia ser.
Meia hora depois, veio outro lotação. Espremeu-se entre os demais.
- Dá licença!?
Engarrafamento, falta de ar.... Uma hora de viagem. Pensou em quanto tinha na carteira. "Melhor voltar a pé". O caminho nem era tão longo.
- Com licença!?
Desceu no ponto. Por pouco não perdia a descida. Dois minutos de caminhada entre pedestres furiosos.
- Novamente atrasado, Juvenal!?
- É que...
- Eu sei, eu sei... Vai botar a culpa no ônibus de novo. Sai mais cedo de casa, ué!
- Mas...
- Vai! Assume logo seu posto que hoje não tô para conversa fiada! Vai ser descontado!
- Mas...
- Anda, Juvenal! Não se aproveita de minha compreensão!

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

DEVANEIOS DO PROFETA


Por: Nihildamus
   ...e haverá muita opressão contra os mais pobres, de tal forma e tamanha rigidez, que os explorados se levantarão contra os poderosos. Os lobos de gravata, então, se prevalecerão, através de leis instituídas para massacrar os mais fracos...            
  
Extermínios em massa, através da fome, desemprego, violência e fatalidade. Os chacais de Hugo Boss só cessarão suas práticas genocidas, quando não restar um marmiteiro de pé.                                                                                                             
Somente, quando chegar o dia em que o sol nascer novamente, os perversos perceberão que a sede de poder e controle, cortara seus próprios pés e braços, tornando-os fracos por estarem imóveis...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

UM CARA



por Alexandre Mendes

Era um cara feliz

com seu empreguinho estável

bom esposo e pai amável

nada tinha a reclamar



possuía um Palio novo

virava a chave, sem problema

levava os filhos ao cinema

nada tinha a reclamar



Era um cara preocupado

jogou a carteira sobre a mesa

devido ao corte de despesa

sua esposa a reclamar



alguns meses sem trabalho

desempregado e com fome

sua mulher com outro homem

resolveu lhe abandonar



Era um cara quase triste

sem emprego, sem família

trancou a casa, pé na trilha

sua existência a lamentar



tentou ser forte 

e achou graça

trocou a honra por cachaça

e parou de reclamar



Era um cara desvairado

sem caminho ou direção

bebendo água de valão

debatendo com o ar



perdeu memória

perdeu a vida

correu pro meio da avenida

pra frente de um caminhão



Era um corpo destroçado

lá jazia o defunto

- Era só um vagabundo!

rabecão já vai chegar