Ainda lembro de muitas coisas do meu passado que me marcaram. Umas boas, muitas ruins. O passado...o meu, comparo a um domador de cavalos montado em um puro sangue selvagem. A vida presa a uma simples corda no pescoço do animal. Ainda sinto os solavancos do cavalo, mas, a cada dia que passa, mais eu sei como domá-lo. Chamo a isso de experiência pessoal. Fui menino e aprendi algumas coisas da vida pelo amor, no entanto, muitas dessas coisas foram ensinadas pela dor. Ainda admito minha constante necessidade de aprender e acredito que até o fim da vida, eu aprenderei muita coisa.
Comemorando o meu trigésimo quarto ano por aqui, (12 de março) cito a poesia de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), intitulada "Aniversário". Dedico essa poesia a família que não tive quando menino e especialmente a minha mãe. Se ela ainda estivesse por aqui, as coisas teriam sido bem mais fáceis para mim.
Obrigado
À Lecy Mendes Vidinha (1946-1995)
Aniversário
Por: Álvaro de Campos
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar pela vida, perdera o sentido da vida.
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar pela vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco,
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui – ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
A que distância!…
(Nem o acho…)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que fui de coração e parentesco,
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui – ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…
A que distância!…
(Nem o acho…)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes…
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…
Pondo grelado nas paredes…
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio…
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim…
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim…
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui…
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas – doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado –,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas – doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado –,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos…
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!…
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!…
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!…
Vi e ouvi o meu marido lendo essa poesia, ele chorou... Resolvi ler agora e entendi o tamanho da emoção dele...Viajei no tempo... A imaginação é algo fantástico... O Alê me incentiva a ler sempre. Quando leio um texto dele, sinto muito orgulho de ser sua esposa.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMais um ano se vai e mais um ano chega.
ResponderExcluirAs dificuldades são muitas, mas "se fosse fácil, qualquer um fazia"*.
Vamos transpor os obstáculos.
Estamos em uma guerra desigual contra um sistema que tem a função de nos triturar por não aceitarmos seguir com o rebanho, mas temos uma arma secreta que podemos chamar de vontade.
Che contava com essa arma em seus guerrilheiros e até chegar a derrota final passou por muitas vitórias grças a ela.
A vontade é tudo o que realmente temos.
Mergulhe de cabeça em tudo que você acredita. Negar a nossa fé na luta é negar nossa vontade e assim negar nossa vida. Nada é a toa. Nos privar desses mergulhos é vir ao mundo e perder a viagem. Trocar a força pelo mundo ilusório imposto é ver a vida perder o sentido.
A vida só tem sentido quando estamos sendo nós mesmos e você é um cara maravilhoso que, quando resolve ser você, ilumina tudo ao redor.
Valeu por compartilhar dessa luz.
"se fosse fácil, qualquer um fazia" é uma frase do eterno Ministro do Baião Zé Mohura
Parabéns! Você é um poeta incrível, uma ave rara! Se morasse aqui íamos comemorar o aniversário juntos com uma mega festa cheia de álcool hahahah!! faço aniversário dia 21 de março!!!
ResponderExcluir"Serei velho quando o for". Alexandrão, sinto que seremos eternamente jovens. O tempo passa, mas o espírito continua forte e desbravador. Os dias nos vão somando e muitos ainda hão de se somar.
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